25 de dez. de 2008

Feliz Natal

Título original: Joyeux Noël
Direção: Christian Carion
Elenco: Diane Kruger, Benno Fürmann, Daniel Bruhl, Guillaume Canet, Alex Ferns
País: Alemanha, Bélgica, França, Grã Bretanha e Romênia
Ano: 2005
Duração: 116 minutos
Língua: Inglês, francês, alemão e latim
Nota IMDb: 7,8
Cores: Colorido
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Para Acabar com Todas as Guerras

Baseado em fatos reais (na verdade, várias histórias reais combinadas), Feliz Natal é um filme sobre relatos de confraternizações ocorridas no front europeu no Natal de 1914, ou seja, logo no início da Primeira Guerra Mundial, entre combatentes dos países aliados (franceses, ingleses, escoceses, etc.) e os alemães.

De início, vale fazer um comentário a respeito do fato histórico em si: tais confraternizações só teriam sido possíveis graças a um fundo cultural em comum entre os soldados. Nominalmente, poderia ser citado logo o aspecto religioso ocidental, no caso, cristão. Embora se saiba que àquela altura muitos franceses, escoceses e alemães tivessem uma orientação protestante, não é de todo absurdo que, em meio à guerra, soldados pudessem se reunir em torno de dos valores do cristianismo lato sensu, representando no filme pela figura do padre católico Palmer (Gary Lewis), cuja visão do espírito cristão ultrapassa as fronteiras das vertentes religiosas.

Um segundo aspecto cultural compartilhado é o latim, que nos primeiros séculos depois de Cristo foi a língua franca da Europa e, na Idade Média, a língua em que muitos tratados artísticos, científicos e religiosos eram escritos. Esse ancestralismo simbólico fica claramente representado na missa cristã. As várias línguas, aliás, estão todas presentes.

Outro aspecto comum, o terceiro, é o estilo de vida privada partilhado pelos soldados europeus, a grande maioria jovens, casados e de profissões comuns, como padeiro, carpinteiro, barbeiro. Aí ganha relevância o cantor lírico Nikolaus Sprink (Benno Fürmann), que, tendo partilhado o sofrido cotidiano de seus companheiros de armas, decide ir ao front a fim de cantar para eles e traz junto a linda Anna Sörensen (Diane Krüger). As músicas, sem dúvida, roubam a cena. Isso graças a Rolando Villazón e Natalie Dessay, os verdadeiros donos das vozes, que, aliadas à boa dublagem, tornam essas cenas impactantes.

O trio de oficiais — o alemão Horstmayer (o ótimo ator Daniel Bruhl, de Edukators e Adeus, Lenin!), o escocês Gordon (Alex Ferns) e o francês Audebert (Guillaume Canet) — está excepcional em termos de atuação. Sem falar na produção, que é muito esmerada: efeitos especiais, fotografia, cenários, figurino… tudo o mais próximo possível da realidade. Não é à toa que Feliz Natal foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ao Globo de Ouro.

Enfim, um filme inspirador sobre “a guerra para terminar todas as guerras”, aquela em que “as pás foram mais usadas do que os rifles”. Um filme de guerra para que nunca mais haja outra.



Heber Costa


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Heroísmo Desarmado

O dia 24 de dezembro de 1914 seria mais um dia cinza de bombardeios e constantes avanços sem sucesso das infantarias se não fosse por uma data tão sublime para todos, era o Natal. Com ele, veio mais uma das fortes mudanças psicológicas que os soldados passaram durante a Primeira Guerra.

Um turbilhão de emoções que vai desde a euforia de poder participar de uma guerra — e quem sabe retornar com um verdadeiro herói —, passando pela incerteza de quem não sabe se irá voltar para casa e encontrar seus entes queridos, a revolta por estar lutando em uma guerra que não acaba nunca e sem ter a mínima condição de viver no front e inúmeros outros sentimentos que se pode passar muito tempo enumerando.

Contudo destacam-se dois em especial: a compaixão e o companheirismo. Não só entre soldados que estavam no mesmo lado, mas entre os homens que ainda acreditavam, no fundo de sua alma, que era possível haver espaço para a celebração de algo acima deles e daquela “guerra tola”.

Tal evento se repetiu em vários pontos do front, demonstrando algo até então não verificado pelos generais em seus gabinetes luxuosos e longe do barulho das explosões, que os homens, soldados, não estavam prontos, psicologicamente, para uma guerra.

Eles foram heróis, mas por não dispararem nenhuma bala.


Adriano Almeida



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15 de dez. de 2008

Os Gritos do Silêncio


Título original: The Killing Fields
Direção: Roland Joffé
Elenco: Sam Waterson, Haing S. Ngor, John Malkovitch
País: Grã Bretanha
Ano: 1984
Duração: 141 minutos
Língua: Inglês, francês e khmer
Nota IMDb: 8,0
Cores: Colorido
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Os Campos da Morte

Grande sucesso nos anos oitenta — tanto por conta dos horrores mostrados como por ter a famosíssima Imagine, de John Lennon (morto em 1980), na sua trilha —, Os Gritos do Silêncio foi mais um da frutífera safra (iniciada com O Franco-atirador, em 1978, e terminada com Pecados de Guerra, em 1989) que aborda a atuação controversa dos EUA no Sudeste Asiático.

É o auge da Guerra Fria e o fim da Guerra do Vietnã, já na Era Nixon (que, a essa altura, estava atolado até o pescoço no Watergate). O repórter cambojano Dith Pran trabalha como intérprete para Sydney Schanberg, do New York Times, que tinha a missão de investigar as incursões americanas no Camboja. Paralelamente, esse país asiático vivia uma guerra pelo poder entre os governantes e o Khmer Vermelho, que vence a luta, já nos idos de 1975, e estabelece campos de reeducação — verdadeiros “campos da morte”, fato que inspirou o título original. É nesse contexto (entre três conflitos: o do Vietnã, a guerra civil no Camboja e um conflito entre os dois) que se passa a odisséia real de Schanberg (Sam Waterson) pela verdade e de Pran (Haing S. Ngor) pela sua própria vida.

Aqui, o cunho político é tão forte quanto o biográfico. Não são poucas as referências ao fornecimento de armas por parte dos EUA e da URSS, inclusive com cenas irônicas como a das tropas do governo, equipadas pelos americanos, festejando a entrada de soldados do Khmer em cima de
APCs na capital, Phnom Penh. É curioso também observar Schanberg, um típico americano, educado nos valores da liberdade, deparando-se com a censura e a repressão sem limites dos rebeldes, sem falar no alistamento de crianças e nas táticas terroristas de guerrilha, consideradas uma violação dos códigos de guerra do ponto de vista da cultura ocidental.

A despeito do sucesso, há uma crítica: o filme é um tanto confuso quando se trata do conflito como um todo. Algumas transmissões de rádio perdidas iluminam um pouco o caminho do espectador, mas no geral, é difícil entender o contexto político. Não há grandes destaques na parte técnica, mas destacam-se a trilha sonora (ainda que experimental demais às vezes) e os efeitos nas cenas de combate, ferimentos e destruição. A atuação de
Haing S. Ngor lhe rendeu um Oscar, o segundo para um ator não-profissional, algo que não acontecia desde 1946.

A vida de Ngor, aliás, é um caso à parte. Ele era um obstetra e oficial médico do exército cambojano que acabou
prisioneiro do Khmer Vermelho, foi torturado e perdeu a esposa grávida naqueles campos. Refugiou-se nos EUA e, em 1984, atuou em Os Gritos do Silêncio. Seu fim foi trágico: em 1996, foi assassinado na porta de sua garagem. A princípio, suspeitou-se do Khmer; depois, as investigações mostraram que foi um mero latrocínio.

O filme é quase unanimidade. Definitivamente, um ótimo retrato de um conflito que ainda tem muito a oferecer para aqueles que querem compreender a alma humana.





Heber Costa

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Influências Silenciosas

O Camboja foi por muito tempo colônia francesa. Isso influenciou o sistema de governo do país que levaria a uma guerra civil sem precedentes na história dessa nação. Essa guerra é bem retratada no filme Os Gritos do Silêncio, que apesar de tratar um caso particular de luta pela sobrevivência — a do jornalista cambojano Dith Pran ­— tem como pano de fundo os diversos acontecimentos que marcaram a vida da população cambojana.

A região da Indochina após a Segunda Guerra Mundial virou um lugar de instabilidade constante. Por estar muito próxima a países socialistas e por ter sido protetorado francês, a Indochina acabou ganhando uma extrema importância no campo da disputa política durante os anos da Guerra Fria. A esfera de influência dos países capitalistas e socialistas se expandia de forma rápida na Ásia Insular com a ascensão e desenvolvimento acelerado do Japão e a Revolução Cultural na China, fazendo com que os países próximos a eles entrassem — mesmo que sem querer — no meio de uma guerra trágica, cruel e “silenciosa”. Exemplos não faltam, porém os melhores são sem dúvida alguma o Vietnã e o Camboja. Com relação ao primeiro não há o que a acrescentar aqui, as imagens e relatos da guerra falam por si sós; contudo, o segundo mostra que a influência dos países capitalistas e socialistas foi mais nos “bastidores” do que no próprio “palco de guerra”.

Governantes severos e repressores mergulharam o Camboja em uma situação de instabilidade política depois da independência do país, que se aproximaria do mundo capitalista. Porém, sua proximidade a países socialistas — China e Rússia — e a fracassada investida norte-americana no Vietnã levaram os opositores do governo a organizarem uma resistência — Khmer vermelho. Inicialmente, o KV teria o apoio da população, porém com a sua chegada ao poder e a política de educação — por sinal bem retratada no filme — adotada levaram a população a um estado de miséria profunda, e o país quase acabou todas as suas indústrias, lembrando muito a época feudal daquela região. Seguidos golpes e alternância no governo só fizeram agravar a crise no país até os anos 1990, quando, com o enfraquecimento do bloco socialista e a assinatura de um acordo, se conseguiu certa estabilidade política — agora sem a interferência silenciosa da Guerra Fria, que levou à reorganização do país que foi massacrado por uma guerra de interesses que não eram dele.

Um dos pontos altos do filme Os Gritos do Silêncio é retratar o tratamento diferenciado dado pelo Khmer Vermelho aos estrangeiros — principalmente os franceses — durante a guerra civil, totalmente diferente do que era dado à população cambojana.
Adriano Almeida
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5 de dez. de 2008

Hotel Ruanda

Título original: Hotel Rwanda
Direção: Terry George
Elenco: Don Cheadle, Joaquim Phoenix, Nick Nolte
País: Grã Bretanha / Itália / EUA / África do Sul
Ano: 2004
Duração: 121 minutos
Língua: Inglês e francês
Nota IMDb: 8,4
Cores: Colorido
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As Ruínas de Ruanda

Vários aspectos fazem de Hotel Ruanda um filme de que vale a pena tratar, mas vou citar apenas três: (1) nunca é demais expor os horrores da guerra, especialmente a guerra civil; (2) é um dos mais recentes conflitos transformados em filme; (3) é uma crítica à postura mundial quanto aos conflitos internos das nações, especialmente na África.

A história real de um pai, Paul Rusesabagina (Don Cheadle), que luta para proteger sua família é a premissa desse longa que mostra todas as etapas de uma turbulência até se transformar numa guerra civil. As guerras civis geralmente são muito violentas e não respeitam convenções internacionais sobre conflitos armados. Elas envolvem, muitas vezes, questões políticas, sociais e ódio racial, como foi o caso da disputa entre hutus e tutsis naquele país do sudeste da África.

Paul trabalha um hotel que é uma espécie de oásis em meio a um deserto de miséria e ódio: nada penetra aquelas paredes. Tentando manter-se alheio a tudo, Paul imerge num mundo que não é o seu (o do turismo, do comércio, do luxo), mas acaba sendo chamado à realidade quando explode a disputa civil pelo poder e as milícias passam a trucidar indivíduos da etnia oposta. Quando o território do hotel é violado, é o simbolismo de que nada ficará intocado. Nem a propriedade dos brancos estrangeiros.

O papel das forças de paz da ONU (como visto em Falcão Negro em Perigo) é limitado por uma série de convenções e burocracias que frustram as ações dos militares envolvidos: mesmo diante de fatos gritantes, as forças dependem de inúmeras formalidades e normas para agir. Em poucas palavras, o que parece haver é uma falta de vontade política pelo pouco interesse que Ruanda representa nas esferas internacionais.

Há também uma discussão interessante sobre como a cobertura da mídia plastifica esses acontecimentos, tornando-os digeríveis por mais cruas que sejam as imagens mostradas. E isso também é criticado no filme de Terry George. Nos aspectos visuais, o filme não apresenta nada de inovador, com um estilo quase documental em certos momentos. O destaque fica para a força da história e as brilhantes atuações.

Genocídio, sobrevivência, amor fraterno, política e mídia estão entre os temas abordados por esse filme que é, sem dúvida, uma sacudida na cabeça daqueles que vivem realidades completamente diferentes dos conflitos etnopolíticos da África.


Heber Costa


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Um por todos...

Após o término do domínio europeu na África os países recém-independentes caíram numa profunda instabilidade política, levando — em sua maioria — a guerras étnicas que, por sua vez, causaram a verdadeiros massacres por parte dos grupos dominantes. O melhor exemplo disso foi o genocídio ocorrido em Ruanda, onde milhares de tutsis foram mortos pelos hutus.

Desde a ocupação do país pela Bélgica, o grupo que teve privilégios políticos e econômicos foram os tutsis, que, por serem de etnia diferente dos hutus, praticaram uma severa repressão, muitas vezes violenta. Com a saída dos belgas, foi organizado um governo de transição para administrar o país, porém essa atitude não teve muito sucesso. Uma vez no poder a repressão só mudou de lado e dessa vez foi mais severa ainda. Em meio a todas as atrocidades, aparece um personagem que faria a diferença em toda a história de um dos países mais pobres do mundo — Paul Rusesabagina, que chegou até a ser comparado a Schindler.

A história que ocorre em Ruanda chega a ser parecida a de muitos outros países africanos, um continente cujas nações foram organizadas segundo os interesses dos países europeus, e não divididas conforme a etnias dos povos que ali habitavam. Um dos momentos mais interessantes na guerra civil de Ruanda foi a reação do resto do mundo ao que estava acontecendo ali: não foi dada a devida atenção à situação e as nações unidas só intervieram de forma superficial na matança que estava acontecendo, diferentemente situações de interferências ocorridas em outros países onde o "primeiro mundo" tinha interesses.

De forma geral, o filme Hotel Ruanda traz como uma critica severa à atitude dos países do bloco desenvolvido, que muitas vezes fecham os olhos para os problemas dos países mais pobres, e historicamente funciona como um relado do genocídio ocorrido, demonstrando como foi que se organizaram as milícias e a resistência em meio à miséria extrema daquele país.


Adriano Almeida
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Manifesto Antiguerra

Aproveitando o mês de dezembro, decidimos colocar no ar três filmes que sejam exemplos de triunfo do espírito humano em meio ao caos da guerra, verdadeiros manifestos antiguerra. Assim, seja em meio a guerras civis, seja num conflito mundial, o homem sempre descobre uma forma superar as dificuldades. Boa leitura e bom fim de ano a todos!
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