25 de out. de 2008

Tigerland – A Caminho da Guerra

Título original: Tigerland
Direção: Joel Schumacher
Elenco: Colin Farrell, Matthew Davis, Clifton Collins Jr., Shea Whigham, Nick Searcy
País: EUA
Ano: 2000
Duração: 100 minutos
Língua: Inglês
Nota IMDb: 7,1
Cores: Colorido
Trailer









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Máquina de Fazer Soldados

Fort Polk, Louisiana, 1971. Os recrutas Roland Bozz (Colin Farrell) e Jim Paxton (Matthew Davis) vão para o treinamento nos últimos anos da Guerra do Vietnã (1959–1975), pelo menos para os EUA, que só participaram de 1965 a 1973. Os jovens* já estavam sendo treinados por veteranos** do Vietnã. A revolução sexual atingia seu ápice, e as drogas estavam em alta. A guerra não tinha mais apoio da opinião pública, especialmente por conta de fatos como o Massacre de My Lai***, mencionado por Paxton. Nesse contexto, o Exército era uma bolha de realidade diametralmente diferente do que ocorria ao seu redor. Bozz, que antes aparenta apenas não respeitar autoridades, mostra-se anti-Exército e tenta sabotar ideologicamente o sistema insubordinando-se a cada instante; enquanto Paxton é um voluntário que acredita no cumprimento do dever, embora concorde com o amigo quanto ao Exército não ser uma massa uniforme de homens e a guerra não ter sentido.

Tigerland tem intenções claras de expor falhas no discurso do Exército — como a idéia de que é “um só homem”, um corpo único e homogêneo — justamente mostrando os conflitos ideológicos que existem dentro dele. Schumacher, através das palavras e das atitudes de Bozz, tenta mostrar o Exército como uma grande mentira. Durante a trama, surgem situações em que os próprios superiores parecem reconhecer isso, o que pode ser observado sempre que Bozz se encontra a sós com eles: é como se ele forçasse a “verdade escondida” a vir à tona. Tigerland também tenta desmistificar a concepção de que o Exército transforma "meninos" em "homens", questionando os absurdos do treinamento. Há comentários na internet confirmando e negando os rigores, não se sabe se isso ocorreu de fato. No filme, os instrutores, com tom um tanto paternal, alegam que essa é a melhor forma possível de tentar preparar os jovens para o horror da guerra, enfocando o aspecto humano de todos os personagens. De relance, ainda surgem temas como o preconceito racial e o patriotismo.

No aspecto técnico, Tigerland tem uma cinematografia esmaecida, ligeiramente azul-esverdeada e obscura, com muitos closes. A trilha é discreta, mas toques dados por música soul ao bom estilo Motown aparecem aqui e ali. As atuações são muito boas, especialmente de Colin Farrell, no seu primeiro papel de destaque. Não espere combates, mas é um filme que, embora com tendências ideológicas evidentes, vale a pena por abordar a guerra no seu lugar de origem: o íntimo do ser humano.


Heber Costa

* No Vietnã, a média de idade dos soldados era de 22 anos; na Segunda Guerra, era 26 anos. [Fonte: Combat Area Casualty File – CACF (1993), que serviu de base para o Memorial de Veteranos do Vietnã.]

** Isso pode ser percebido no dialeto da infantaria usado pelos superiores, são expressões como grunt (soldado), gook (vietnamita), VC ou Charlie (vietcongue), dust-off (resgate de ferido em helicóptero) e beaucoup (muito, reminiscência dos colonizadores franceses incorporada pelo vietnamês).

*** Massacre, por tropas americanas, de mulheres e crianças ocorrido na aldeia vietnamita de My Lai, em 16 de março de 1968, que foi divulgado internacionalmente, causando revolta na população dos EUA e apressando sua saída da guerra.






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Um Lugar Chamado Inferno

No início dos anos 1970 a Guerra do Vietnã estava em um período em que os americanos enfrentavam várias derrotas e a opinião pública “caia em cima” do alto escalão do exército e criticava as ordens do governo norte-americano. Mas por que isso acontecia e por que o grande exército americano não conseguia por um ponto final nessa guerra, seria o treinamento dos soldados ou a soberba do alto comando?

Podemos dizer que não há como se treinar alguém para matar outra pessoa, mas era esse o tipo de treinamento utilizado durante a Guerra do Vietnã. O envolvimento psicológico naquele conflito passou a ser um fator decisivo para o desfecho das batalhas. Nos campos de treinamento norte-americanos, os soldados eram transformados em verdadeiras máquinas de matar, cujo único objetivo era: aniquilar o seu inimigo. Os “milicos” que não conseguiram se “enquadrar” nesse perfil, eram taxados de molengas ou, muitas vezes, de não-patriotas; contudo, essa guerra não era deles e não acontecia em seu país. Assim começam a surgir questionamentos comuns aos combatentes quando vão para as guerras. Alguns dizem ser a única opção que têm, porém a maioria se questiona exatamente no momento de seu treinamento tentando achar uma justificativa para explicar a sua presença diante daquilo tudo.

O filme Tigerland trata exatamente dessa preparação do soldado americano para a Guerra do Vietnã, explorando a vivência de um grupo de soldados, ele procura trazer à tona os questionamentos dos combatentes a respeito da sua presença em um campo de treinamento, conhecido como inferno, e a relação que os soldados têm uns com os outros — muitas vezes, de companheirismo; outras, de intensas disputas pela liderança do pelotão. Analisá-lo, historicamente, requer conhecimentos apurados sobre campos de treinamentos, contudo pode-se dizer que ele exemplifica da forma mais dura a preparação dos soldados para irem ao verdadeiro inferno.



Adriano Almeida




15 de out. de 2008

Santos ou Soldados


Título original: Saints and Soldiers
Direção: Ryan Little
Elenco: Corbin Allred, Alexander Polinsky, Peter Holden, Lawrence Bagby, Kirby Heyborne
País: EUA
Ano: 2003
Duração: 90 minutos
Língua: Inglês / Francês / Alemão
Nota IMDb: 7,0
Cores: Colorido
Trailer





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Santos, Soldados e Sombras

Santos ou Soldados se passa num fato histórico trágico: o Massacre de Malmedy, Bélgica, ocorrido na campanha das Ardenas, no rigoroso inverno de dezembro de 1944. Quatro soldados — o cabo “Deacon”, o sargento Gunderson, o paramédico Gould e o soldado Kendrick — conseguem escapar das tropas da Waffen-SS*, tomando um rifle Mauser Kar98k (cuja capacidade é só cinco tiros), e adentrar a floresta nevada.

Logo surgem outros inimigos: não bastasse o frio, o medo e o fato de virem de diferentes partes do país (Nova York, Arizona, Louisiana e Illinois) e do exército (dois são da 101ª Aerotransportada; um, médico; e Kendrick, da infantaria), as crenças e personalidades acirram ainda mais diferenças. Oriundo do Brooklin, Gould provavelmente teve uma infância difícil, o que explica individualismo e ceticismo e o fato de roubar dos mortos. Ele se desentende com Deacon, um interiorano muito religioso que dá mostras de um forte estresse pós-traumático. Tudo se complica ainda mais quando o grupo encontra o sarcástico Winley, um sargento-aviador da Força Aérea Britânica que tem uma missão importantíssima. O longa aborda muito bem conflitos como sobrevivência x dever; desumanização x crença no ser humano; mesquinharia x generosidade; religiosidade x ceticismo; personificando essas crenças nos personagens. Os soldados, tendo de enfrentar os alemães e essa “guerra” particular, fortalecem seus laços e transformam a visão de mundo uns dos outros.

A produção não tem grandiosidades, mas é muito caprichada. Os atores, embora desconhecidos, são muito competentes. A fidelidade de detalhes e equipamentos corretos impressiona — a exemplo do coração no capacete do sargento, que representa o 2º Batalhão do 502º Regimento da 101ª, que realmente atuou nas Ardenas. A trilha sonora discreta e a fotografia ligeiramente descolorida e ágil são a moldura perfeita para transformar esse conjunto num ótimo filme.



Heber Costa





* Pela época e uniformes retratados no filme, as tropas de panzergrenadiers ali representadas provavelmente eram da 1ª divisão de Panzers da SS (Schultz Staffeln, isto é, “esquadrões de proteção") — apelidada Leibstandarte Adolf Hitler (Guarda-costas de Adolf Hitler) — e estariam sob o comando do SS-Standartenfürher (Coronel) Joachim Peiper, que comandava um Kampfgrouppe de tanques Panzers e Tigers.




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Roteiro da morte: Malmedy & Bastogne

Ao se aproximar o final do ano de 1944, a situação na Europa se encontrava bastante instável, e o controle de pontos estratégico era vital para o sucesso nas batalhas. Um dos momentos mais tensos desse período foi a disputa pelo controle da região das Ardenas (Malmedy, Saint Vith, Houffaliza e Bastogne), por conta de dois acontecimentos que marcaram a guerra: o Massacre de Malmedy e a Batalha de Bastogne.

Contando com um forte contingente de soldados e blindados, os alemães partem em direção a essa região por se tratar de um ponto de convergência estratégica. A intenção era tomar de assalto as quatro cidades e depois seguir em direção a Antuérpia, contudo nesse caminho ocorreu o encontro das tropas aliadas com o exército alemão — em Malmedy —, ali os soldados americanos se tornaram prisioneiros e num ato de extrema pusilanimidade foram quase todos executados. O filme Santos ou Soldados parte desse evento para explorar a convivência de um grupo de soldados que consegue escapar dessa chacina — em especial a de “Deacon”. Passando por questionamentos comuns aos soldados — num momento em que não estão travando batalhas —, ele se pergunta se está fazendo certo em matar os seus inimigos e às vezes até civis em troca de sua sobrevivência.

Vale destacar também a Batalha de Bastogne onde milhares de soldados perderiam a vida. O empenho tanto dos alemães em conquistar essa cidade quanto os aliados em defendê-la foi colossal, pois eles não lutavam somente entre si, mas também pra suportar o inverno e as fortes nevascas sem padecer diante de tal intempérie. Só foi possível dar um ritmo a batalha após o término das tempestades de neve, pois é nesse momento que as esquadrilhas aéreas entram em ação e ditam o compasso da vitória aliada. Santos ou Soldados pode ser considerado um bom entretenimento para os fãs de filmes de guerra e, como fonte histórica, pode servir de um bom apoio didático para observar a situação climática que os soldados enfrentavam, além de usar como pano de fundo o terrível episódio do Massacre de Malmedy.



Adriano Almeida




5 de out. de 2008

Sem Novidade no Front

Título original: All Quiet on The Western Front
Diretor: Lewis Milestone
Elenco: Lew Ayres, Louis Wolheim, Slim Summerville
País: EUA
Ano: 1930
Duração: 135 minutos
Língua: Inglês / Francês / Alemão

Nota IMDb: 8,1
Cores: Preto-e-branco

Trailer













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Viver e morrer no front

O impacto psicológico que um soldado passa ao entrar numa guerra é sem dúvida uma das coisas mais importantes, principalmente porque pode mudar o rumo de toda a disputa. O filme Sem Novidade no Front tem o cuidado de mostrar o cotidiano do front, a vida dos soldados na Primeira Guerra Mundial, tentando evidenciar os vários sentimentos que os jovens combatentes sentiram durante o conflito, desde a euforia de estar participando da primeira batalha até as incertezas da vida nas trincheiras.

Algumas passagens são dignas de serem mencionadas não só pela sua importância como acontecimento na história, mas principalmente pelo fato de tentarem retratar a situação precária e subumana das trincheiras. Posso destacar três dentre os vários momentos importantes: o primeiro seria o alistamento, quando os jovens estão eufóricos após um discurso incentivador de seu professor. Isso mostra como os garotos eram educados nos primeiros anos da Guerra. Havia um grande incentivo para que participassem e demonstrassem o seu patriotismo. O segundo momento seria o impacto que a guerra causa nos homens — a primeira batalha —, quando a moral dos soldados é posta à prova, deixando visível o medo da morte iminente e as incertezas do futuro que os aguarda. No terceiro instante, destaca-se a reação do soldado ao voltar para casa e visitar a escola, encontrando ali um ambiente pouco acolhedor: ele não se sente membro daquele lugar e, ao ouvir o velho discurso de seu antigo mestre, que há alguns anos serviu de inspiração para que ele e seus amigos se empenhassem naquela jornada, fica incrédulo com tudo aquilo que os civis acreditavam estar acontecendo no front.

Fatos como esses nos levam a analisar, criteriosamente, o que é relatado sobre o dia-a-dia dos soldados na Primeira Guerra, pois muitas fontes não dão o valor necessário ao cotidiano do campo de batalha, e Sem Novidade no Front expressa, de forma bem peculiar, a árdua vida no front.



Adriano Almeida



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A vida nas trincheiras e a desilusão da guerra

Considerado um dos mais fortes manifestos pacifistas, Sem Novidade no Front mostra, desde as primeiras cenas, os sentimentos que dominavam a mente da população na época: o patriotismo, a honra, o orgulho e o senso de dever. A disparidade entre essa idealização da guerra e a realidade é sem dúvida o tema mais forte do filme, que mostra a inutilidade dos ataques e o quanto os soldados padeciam de fome, frio e terror sob os bombardeios — ou, como diz o protagonista, “... o quanto morrer pela pátria é sujo e doloroso”. Enquanto os professores incitam jovens à guerra, no front os soldados descobrem que, sem a farda, seus inimigos são iguais a eles: querem apenas sobreviver mais um dia. A morte choca não pela violência, mas pela sua banalidade e freqüência. Isso fica explícito na ironia do par de botas que passa de pés em pés, durando mais do que os próprios soldados que o utilizam.

O roteiro adaptado altera a ordem de alguns fatos do texto original, o que deixa a trama um tanto truncada. Por outro lado, dados os recursos da época (1930), Lewis Milestone é um poço de criatividade quando se trata de fotografia e efeitos especiais. O uso de uma câmera não-estática passando por trás das metralhadoras alemãs e francesas nas cenas em que os soldados são dizimados e acompanhando os soldados nos ataques e contra-ataques traz um dinamismo impressionante às seqüências. Essa habilidade de filmar, somada aos efeitos, constrói imagens de causar inveja a muitos filmes de guerra recentes.




Como nem tudo é perfeito, cabe ressaltar como pontos negativos que algumas atuações são um pouco exageradas (o que era natural na época) e também o fato de ser uma obra sobre soldados alemães, mas ser majoritariamente falada em inglês, já que é produção americana. A despeito disso, o resultado é um longa poderoso e extremamente inovador, que se tornou um marco, sendo proibido em vários países. No fim, uma mensagem fica clara: a guerra é uma grande ilusão.



Heber Costa


Conflito psicológico

Neste bloco, abordaremos a luta pela sobrevivência e os conflitos psicológicos enfrentados pelos soldados antes, durante e depois da guerra. Boa leitura!



1 de out. de 2008

Apresentação

Depois de semanas discutindo e planejando, iniciamos hoje, oficialmente, os trabalhos do Cenas da Guerra, um blog que pretende oferecer ao leitor uma opinião de filmes sobre a guerra, acreditando que cada um deles é uma forma particular de abordar a vastidão de temas que ela envolve.

Por conta da formação dos autores — embora o blog não tenha foco acadêmico —, os comentários (trazendo sempre dois pontos de vista sobre o mesmo filme) poderão tender para a História e a Estética, mas sem a pretensão de estabelecer “verdades históricas” ou julgamentos de valor estético universais e sem o compromisso de ficarmos apenas nesses campos. O que se busca é apresentar uma opinião que traga a dose certa entre a crítica subjetiva e objetiva. Além dos comentários, para aqueles que gostam de classificações em termos de nota, ao lado da ficha cinematográfica estará o índice registrado pelo Internet Movie Database (IMDb), fruto da média das notas dadas pelos seus milhares de usuários.

A princípio, a abordagem será em blocos de três filmes que tenham uma temática semelhante, sendo um a cada dez dias. Ressaltamos, no entanto, que esses os títulos escolhidos não serão necessariamente os que consideramos melhores nem os únicos sobre aquele tema e que os assuntos poderão se repetir em novos blocos de filmes. Ao mesmo tempo, indicaremos também ao menos um livro relacionado ao tópico em questão para cada bloco e marcaremos cada filme com etiquetas indicando as temáticas predominantes nele (holocausto, nazismo, combate marítimo, etc.) para que depois seja possível agrupá-los.

Por ser, na verdade, um experimento, o Cenas da Guerra tentará seguir essa metodologia até quando ela se mostrar apropriada, já que nosso compromisso maior é com a melhor forma de apresentar o conteúdo. Assim, mudaremos de rumo se for necessário. Por isso, comentários, sugestões e indicações serão sempre bem-vindos.

No próximo dia 5 de outubro, lançaremos uma postagem com o primeiro filme do primeiro bloco.

Até lá e boa leitura a todos!